26.10.11

Final de novela

Depois a última página era lida, o livro tinha acabado. Era preciso parar a corrida desvairada dos olhos e da voz que seguia sem ruído, para apenas tomar fôlego, num suspiro profundo. Então, a fim de dar aos tumultos há muito desencadeados em mim, outros movimentos para se acalmarem, eu me levantava, punha-me a caminhar ao longo da cama, os olhos ainda fixos em algum ponto que, em vão, se buscaria em meu quarto ou fora dele, porque ele não estava situado senão numa distância de alma, dessas distâncias que não se medem por metros e por léguas como as outras, e que, aliás, é impossível confundir com elas quando se olham os olhos "distantes" dos que pensam "em outra coisa". E aí? Esse livro não era senão isso? Esses seres a quem se deu mais atenção e ternura que às pessoas da vida, nem sempre ousando dizer o quanto a gente os amava, mesmo quando nossos pais nos encontravam lendo e pareciam sorrir de nossa emoção, e fechávamos o livro com uma indiferença afetada e um tédio fingido. Essas pessoas por quem se tinha suspirado e soluçado, não as veríamos jamais, jamais saberíamos alguma coisa delas. Já, depois de algumas páginas, o autor no "Epílogo" cruel, teve o cuidado de "espaçá-las" com uma indiferença incrível para quem sabia o interesse com que tinham sido acompanhadas até ali, passo a passo. Cada hora de sua vida nos havia sido narrada. Depois, subitamente: "Vinte anos após estes acontecimentos podia se encontrar nas ruas de Fougères um velho ainda ereto, etc." E o casamento cuja possibilidade deliciosa os dois volumes se empenharam a nos fazer entrever, assustando-nos, reconfortando-nos a cada obstáculo erguido, depois superado, é por uma frase acidental de um personagem secundário que ficamos sabendo que ele foi celebrado, sem saber exatamente quando; neste epílogo surpreendente que parecia escrito, do alto do céu, por uma pessoa indiferente às nossas paixões de um dia, e que havia substituído o autor. Queríamos tanto que o livro continuasse, e, se fosse impossível, obter outras informações sobre todos os personagens, saber agora alguma coisa de suas vidas, empenhar a nossa em coisas que não fossem totalmente estranhas ao amor que eles nos haviam inspirado e de cujo objeto de repente sentíamos falta, não ter amado em vão, por uma hora, seres que amanhã não seriam mais que um nome numa página esquecida, num livro sem relação com a vida e sobre cujo valor nos enganamos totalmente, pois sua sorte aqui embaixo, agora o compreendíamos e nossos pais o confirmavam numa frase cheia de desprezo, não era, como havíamos acreditado, conter o universo e o destino, mas sim ocupar um lugar estreitinho na biblioteca do notário, entre os fastos sem prestígio do Journal de Modes illustré e da Géographie d'Eure-et-loir.

Trecho do livro Sobre a Leitura, de Marcel Proust. Tradução de Carlos Vogt.

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