30.3.05

Olhiaberta de emoção...

Encontrei por acaso um livro que desejava muito reler, e foi gostoso demais perceber, hoje, o quanto ele me influenciou. Quantas palavras novas ele me trouxe, e idéias também! Posso dizer, sem medo de estar exagerando, que se não fosse por ele eu não seria o que sou hoje, porque ele foi um tijolinho nessa minha construção.
E quantos livros que vocês conhecem começam assim?
“_ Ô, mãe, se a gente falasse pelos olhos e olhasse pela boca, o que será que ia acontecer?
- Ora, menina...
- Já sei! A gente ia ficar olhiaberto quando tivesse uma surpresa e boquifechado quando quisesse dormir. Ou boquiaberto, se quiser dormir de boca aberta, é claro. A gente ia sorrir de dois lados e chorar de um só. Ia ficar com a boca marejada de lágrimas, de vez em quando. A gente ia ter uma menina da boca e um céu pra cada olho. E você já pensou num olho banguela,ou na sobrancelha da boca? Ou mesmo numa boca com cílios postiços ou então com óculos? Ia ser muito engraçado, hein?”
( Se... Será, Serafina?, de Cristina Porto)

13.3.05

Tiquina

Tia, como tantas outras mães de Malhadas, de Miranda, de Trás-os-Montes. Maria Joaquina, Quina... Ti'Quina, Tiquina de Malhadas. Minha avó é essa mulher, que nasceu num dia 18 de 1918, inverno aquecido pela festa que celebrou seu nascimento. Por falta de testemunha ocular, acreditamos como se estívessemos estado lá quando ela nos conta, com toda a sua alegria, que no dia em que nasceu a festa estava tão boa que ela teve que participar, levada pelo pai!
Talvez por isso ela sempre tenha sido essa pessoa que tantos amam, uma mulher tão feliz e tão jovial, que adora contar as tantas peripécias que aprontava já desde pequena.
Preparo-me pra gravar todas as suas histórias e vou me lembrando de muitas coisas sobre ela... Lembro-me de quando eu ainda a estava conhecendo, criança.
Ela era “só” a vó Maria, aquela que morava loooonge, e que me fazia rir e me respondia que aquilo tudo o que eu estava ouvindo tinha acontecido quando eu ainda estava em Paris. E por quanto tempo eu acreditei nisso! Até o dia em que entendi finalmente a expressão completa... na verdade, eu ainda estava era “no cu dos franceses” aguardando a minha vez de nascer... mas que lugarzinho, não?
Fiquei feliz de ter saído de lá para os braços da minha avó nos domingos paulistanos regados a bacalhoada, sardinha na brasa, e o franguinho “das crianças”, o macarrão e o indefectível “pudinho”, quando não a minha sobremesa favorita: o arroz de festa!
Domingo, então, não era apenas um dia, era um ritual! E começava logo cedo, afinal de contas a gente morava longe, e a uma hora em que percorremos hoje os mesmos 100km naquele tempo durava muito mais. Pelo menos, na minha cabeça...
A ansiedade era tanta pra começar a ver as pipas coloridas no céu e o pico do Jaraguá que se desenhava ao longe naqueles tempos de céus ainda pouco maculados pela poluição, que eu ia gravando cada árvore no caminho e conversava com a faixa branca da estrada pra me garantir de que estávamos mesmo no caminho certo.
Passeávamos pela Lapa, Minhocão, Liberdade e chegávamos na querida Aclimação. Mas o último pedaço de rua antes de entrar na vila quase que nunca eu via, escondida que ficava naquele buraco áspero que alguns tinham a coragem de chamar de bagageiro. Isso tudo pra chegar na casa da avó e ouvi-la dizer “as crianças não vieram?” e dizer:
SURPRESA!!!

Sinapse

Minhas mãos segurando a sua direita, enquanto assistíamos O Meu Pé Esquerdo.

10.3.05

Era uma vez...

Eu só presto mesmo pra começar as coisas, até 'of aftros' me dizem isso e por ironia do destino eu já fui a professora carrasca que ensinava às pobres vitimas, seus aluninhos, que toda história tinha que ter começo meio e fim, na peça "A Menina Bola"...
A fala era:
_ Começo: Era uma vez;
Meio: Aí então e
Fim: Viveram felizes para Sempre!
Acho que eu não tô ainda nem no "aí então"!

3.3.05

Dia ruim

Escolha uma data qualquer. Escolheu? Então, foi nessa data que eu comecei a sentir um desejo estranho. Eu queria ser diferente sem ser esquisita e queria ser aceita, mas sem precisar ficar puxando o saco das pessoas. E eu era honesta o suficiente pra achar que esse pensamento valia o espaço que ocupava nos meus pensamentos.
Não, nem adianta tentar lembrar quem é que começou com essa história de que a gente tem que ser original. Eu posso parar pra pensar em várias teorias, todas muito boas, mas que só me fariam perder o pouco tempo que eu não tenho antes de deixar fugir o lapso de lucidez de novo.
O espelho reflete não só os narcisos, e olhar pra si e adentro é ruim de se fazer voluntariamente... Tanto mais pra quem ouvindo na letra “mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente” se imaginava usando o espelho como um retrovisor! Às vezes é preciso colar pelo reflexo dos outros, e foi numa dessas olhadelas furtivas que eu finalmente vi o meu reflexo cru, e doloridamente banal.
Eu não existo como eu me imagino e não tenho nada além do que eu nem sei o que... nem verdades, nem amizades, nem falsidades... uma casca mal acabada e muita, muita, toneladas de pretensão.