9.4.05

Paralelas

Atrás dele se sentam duas mulheres de meia idade, que ao passar arrastando sacolas cheias quase levam seu violino junto. Ele segura a preciosa caixa junto ao peito e se espreme um pouco mais no assento solitário. Aos poucos os lugares vão sendo ocupados e então ele vê a pequena figura pela primeira vez na vida.
Ele a analisa sem pressa, uma vez que ela se senta um pouco mais à frente, a viagem será longa, a tarde de maio está ensolaradamente fria e ele encontra alguma semelhança entre eles, já que parecem ser as únicas crianças dentro do ônibus parado no ponto final. Seu olhar encontra os pés dela embaixo do outro assento solitário e ele sorri ao ver a meia calça cor-de-rosa enfiada em sandálias de plástico roxo. A cabeça pende sonolenta para o lado e o cabelo fino e loiro se esparrama graciosamente pelo encosto do banco vermelho.
O ônibus começa a andar e ela parece acordar assustada, então se vira para ter uma visão panorâmica de todo o interior do veículo e seu olhar encontra o dele por um segundo, e por um segundo alguma coisa parece familiar, quase como se estivessem se olhando no espelho.
A viagem continua e o ritmo o embala num sono quase palpável, pegajoso. Ele esfrega as faces coradas e quase derruba o instrumento do colo, atrapalhado. Olha para frente e encontra o assento vazio.

Os dias haviam se passado e agora ele, já acostumado com a presença dela, aproveita as viagens explorando os outros personagens. Não, nunca lhe ocorreu perguntar pra onde ia e seu nome. Primeiro porque ele já sabe que ela vai fazer ballet, segundo porque... o nome, o que ele faria com essa informação? Ela é uma certeza.

Algumas vezes eles se encontram frente a frente, mas jamais se falaram e ele cada vez mais acha interessante nem se falarem. É porque de alguma maneira eles parecem se comunicar com alguns poucos olhares e detalhes. Como na vez em que o ônibus quebrou no meio do caminho e ela atravessou na frente dele, apressada em pegar o outro pra não perder hora. Ou quando ela cochilou e perdeu o ponto e acabou descendo no mesmo ponto que ele, e o seguiu, tímida e disfarçadamente, como se ele não soubesse que ela estava entre perdida e curiosa.

Ele já não pega mais aquele ônibus, mas ainda outro dia encontrou com ela na banca de jornal, na padaria, na rodoviária, no metrô... em outra cidade, com outras pessoas, com o marido dela, com a sua esposa. Várias cenas. Vidas. Paralelas. Linhas retas que nunca se cruzam. Ou se cruzam no infinito?

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